sexta-feira, 29 de abril de 2011

Júlio estava de cabeça baixa,encarando uma manchinha qualquer esquecida no chão.Ouvia a voz do dr.Otávio clara e objetiva,porém não chegava a absorvê-las,como se todo o sentido e o peso de tais palavras perdessem o impacto diante da sua angústia.Tinha consciência de que o conhecimento seria indispensável para entender o que se passava consigo ,no entanto tinha medo de descobrir o que,de fato,seria leucemia e que talvez não possuísse cura e ser obrigado a aceitar a tragédia.Aquilo não era um pesadelo,não acordaria no momento exato.Esforçava-se para esconder toda a sua aflição e fragilidade diante de sua condição.Não queria que percebessem o seu sofrimento.Negou aquela lágrima a trajetória da sua inércia,não permitiria que ela despencasse de seus olhos.
__Está vendo,querido,você vai ficar bem!
Animou-o,Rose,na tentativa de devolvê-lo a esperança.
__Você precisa ser forte,rapaz!O tratamento é longo e doloroso,é verdade!Mas o resultado,na maioria dos casos é positivo.Na recuperação de um paciente somente 50% depende dos métodos clínicos os outros 50% só depende de você!
Completou o médico,pousando a mão no ombro de Julio a fim de conforta-lo.
__Nenhuma vitória pertence a uma guerra sem luta,meu filho!
Disse,Artur,com sabedoria,os olhos fixos na face do filho.
Lembrou-se Júlio,por um instante,desejou se entregar,deitar a cabeça sobre os braços e chorar até suas forças esgotarem-se.Mas ao olhar além da janela percebeu que o dia nunca esteve tão belo.Lembrou-se de seus amigos,dos momentos tão intensamente vividos,dos planos ridículos e exagerados que costumavam desenrolar debaixo da figueira do antigo casarão,daqueles sonhos de menino esquecidos numa caixinha de papelão por achá-los bobos e insomáveis .Tinha uma vida inteira pela frente,o seu caminho era pequeno demais pra terminar agora.
__E quando começo o tratamento,doutor?
Perguntou,Júlio,decidido a lutar.
__Logo que saírem os resultados dos seus exames!
Respondeu,dr.Otávio,sorrindo.
Júlio também sorriu,porém hesitou ao projetar em sua mente aquele novo estágio de sua vida que se iniciaria.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010


Tudo parecia mover-se no ritmo do outono.Ninguém tinha pressa para chegar a estação,afinal a tarde ia-se mansamente de encontro ao crepúsculo.Os pombos alimentavam-se dos pedacinhos de biscoitos oferecidos pelas crianças,curiosas,que tentavam atraí-los.Ciscavam,alheios as pessoas que por ali permitiam-se demorar.Os sinos soavam,soberanos a todos os outros ruídos,depois calavam-se e esperavam seus fiéis para a missa das seis.
Julio ergueu o rosto para a copa dourada das acácias.As folhas eram facilmente arrancadas pelo vento e caíam feito chuva.Sorriu e agarrou uma folhinha e observou-a.
___Tão frágil quanto uma vida!
Falou,alheio ao efeito de tal observação.
Manu,olhou-o brevemente depois voltou-se para o horizonte,o sol brilhava fracamente.Sentiu um aperto no peito e e uma vaga sensação de angústia.Buscou o calor de um abraço,deixou que Julio lhe confortasse com uma carícia,um suave afago nos cabelos.Manu fechou os olhos e apertou o o apertou fortemente até poder sentir o seu coração batendo descompassado.Não podia aceitar que um dia ele simplesmente parasse de bater e todas aquelas sensações continuassem vivas apenas em recordações.Não suportava o peso do fantasma de sua impotência e inutilidade diante de uma condição que já se tornara o seu pesadelo.
Manu esforçava-se para manter se firme e equilibrada,suspirava,mantinha presa aquela lágrima que insistia em marejar seus olhos.Não poderia deixar que Julio percebesse aquele momento de fraqueza.No entanto,sabia que Julio guardava os mesmos medos que ela lutava para esconder.Seus próprios atos o denunciavam.Julio parecia inseguro,perdido.Tentava inutilmente convencê-la de que aquele amor que ela dizia sentir por ele era,na verdade,um suicídio.Uma grande e absurda loucura.
Julio permanecia em silêncio,imóvel,uma confusão de idéias chocando-se em seus pensamentos.Queria ter Manu ao seu lado,porém sentia-se profundamente culpado por vê-la sofrendo.Era um martírio pensar que não fora capaz de afastá-la,que não teve coragem de deixá-la sair por aquela porta e seguir o outro caminho,que perdera o rumo e o controle de tudo.
Um garotinho andava de biscicleta a alguns metros dali,extasiado,aproximava-se dos pombos com rápidas pedaladas.Perceptivos,os pombos levantaram vôo,batendo as asas de encontro as folhas que caíam.Manu voltou-se para admirá-los.Contemplou-os até sumirem entre os prédios.Virou-se para Julio.Ele parecia exausto,porém esforçava-se para mostrar-se disposto a um longo passeio pelo parque ao seu lado.Manu não queria abusar da sua melhora,a última coisa que queria era vê-lo voltar para aquele hospital.Então convidou-o para sentarem-se um pouco na grama e observarem o pôr do sol.Aconchegou-se no colo de Julio,queria ficar junto,sentir seu calor a aquecê-la,o roçar de suas peles.Buscou o seu olhar,depois a toda a essência de seus lábios.Queria ter -los juntos aos seus pra sempre.
***
O sabor daqueles lábios permanecia vivo em sua boca,a suave sensação de abandono que tirava-lhe o sossego sempre que largava os seus braços e recolhia-se a solidão fugaz de uma madrugada sem o conforto do seu afago.O seu cheiro,grudado em sua pele tornava vivo a ilusão de sua surreal presença e assim permitia-se ser vencida pelo sono e cansaço,projetando em seus pensamentos as lembranças dos momentos de fim de tarde fielmente compartilhados e desejando que o dia soprasse logo em sua janela para encontrá-lo novamente.